domingo, 30 de outubro de 2011

Tancredismo

Recentemente vi anunciado em uma televisão aberta de enorme público o trailer de novo filme sobre Tancredo Neves.
Certa vez li uma passagem de Roger Chartier que dizia que toda produção cultural, ou o meio cultural que o homem está inserido, é um produto de uma série de representações, e que essas seriam formuladoras de um "modo de observar" e outra no "modo de fazer".
O caso brasileiro no período pós Ditadura Militar é uma síntese dessas idéias de Chartier, tanto na área bibliográfica como na cinematográfica. A necessidade de construção de uma identidade baseada em uma sociedade e política democrática, principalmente depois de um periodo austero e violento, foi a tese adotada por jornalistas, músicos, políticos e autores.
Nasce aí o "Tancredismo", uma espécie de religião ou seita política que os cidadãos brasileiros adotam para o seu dia a dia, idolatrando-o e endeusando-o.
Meu papel aqui não é avaliar o legado de Tancredo Neves, ou seja, sua contribuição para o processo redemocratizante de meados da década de 1980, não é isso. Mas sim, o que quero é fazer uma reflexão da relação desse "Tancredismo" com a tentativa de uma elite política muito bem instaurada em Brasília nessa época em tentar apagar, ou esquecer o que foi a Ditadura Civil Militar.
A derrocada dos governos militares brasileiros a partir da década de 70, imendou com o processo anistiador e com as "Diretas Já", que para quem não tem conhecimento, foi uma campanha popular que contou com apoio de vários setores políticos e sociais defendendo a volta do voto direto.
O que se viu a partir da década de 1980, principalmente nos livros didáticos de História, é a representação de grandes personagens da nossa história como heróis nacionais, e são vários: Tiradentes, D. Pedro I, Caxias, Getúlio. Uma herança da historiografia do início do século XIX em que o ensino de história era baseado nos grandes feitos, nos grandes personagens.
Assisitindo o trailer do filme "Tancredo" tive essa percepção. O filme me passa uma tentativa de endeusamento de Tancredo Neves, e uma celebração de uma campanha redemocratizante tão "bem sucedida" que esquece de informar ou se preocupar com o que de fato aconteceu antes da mitificação desse personagem na História Brasileira: as atrocidades cometidas nos governos militares.
Não quero discutir a ementa Dante de Oliveira, e muito menos retaliar o passado político de Tancredo Neves para com a história de lutas desse país. Só acho que esse "Tancredismo", e outros "ismos" que assistimos e veremos ainda nesse país, surgem mais como elaboração de um projeto de celebração da vitória da "democracia" desse país, e com finalidade de esquecer ou apagar o que foi a Ditadura, do que de fato compreender a nossa história, a valorização da memória de muitos.
Como Foucalt mesmo diz, o homem ainda é um objeto de sujeição dos poderes, em detrimento da sua potencialidade reflexiva e crítica do todo.
Agora o que nos resta é aguardar o filme, para sim, ou apoiar essas idéias ou criticar esse posicionamento, que se necessário, eu mesmo farei.

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