segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Cecília Coimbra

"Logo que fui levada ao DOI-Codi/RJ - depois de três dias do Dops - recebi na cela onde estava, um pouco antes de a tortura começar, uma estranha 'visita': Amílcar Lobo, que se disse médico. Ele tirou minha pressão e perguntou se eu era cardíaca. Ou seja, preparou-me para a tortura para que esta fosse mais eficaz. Os guardas me levavam, frequentemente encapuzada, percebiam minha fragilidade e constantemente praticavam vários abuso sexuais contra mim. Os choques elétricos no meu corpo nu e molhado eram cada vez mais intensos. Me senti desintegrar: a bexiga e os esfíncteres sem nenhum controle. 'Isso não está acontecendo: é um pesadelo...Eu não estou aqui...', pensei eu. O filhote de jacaré com sua pele gelada e pegajosa percorria meu corpo...'E se me colocam a cobra, como estão gritando que farão?'. Perdi os sentidos, desmaiei. em outros momentos era levada para junto de meu companheiro quando ele estava sendo torturado. Inicialmente, fizeram-me acreditar que nosso filho, de três anos e meio, havia sido entregue ao Juizado de Menores, pois minha mãe e meus irmãos estriam também presos. foi fácil cais nessa armadilha, pois vi meus três irmãos no DOI-Codi/RJ. Sem nenhuma militância política, foram sequestrados em suas casas, presos e torturados. O barulho das chaves nas mãos de algum soldado que vinha abrir alguma cela era aterrorizante. 'Quem será dessa vez?'(...)"
Esse é o depoimento de Cecília Coimbra, ex-militante do PCB, e quando foi presa e torturada estudava Psicologia. Foi presa em Agosto de 1970 no Rio de Janeiro, interrogada no Dops e torturada no DOI-Codi/RJ. Hoje atua como a principal combatente aos anos repressores pela busca da justiça e pela verdade, além de defender também, a abertura dos arquivos da ditadura militar.
Esse é apenas um de muitos relatos desse período. E alguns ainda defendem um ponto de vista da "não responsabilização". Não sabem o que dizem.

domingo, 30 de outubro de 2011

Tancredismo

Recentemente vi anunciado em uma televisão aberta de enorme público o trailer de novo filme sobre Tancredo Neves.
Certa vez li uma passagem de Roger Chartier que dizia que toda produção cultural, ou o meio cultural que o homem está inserido, é um produto de uma série de representações, e que essas seriam formuladoras de um "modo de observar" e outra no "modo de fazer".
O caso brasileiro no período pós Ditadura Militar é uma síntese dessas idéias de Chartier, tanto na área bibliográfica como na cinematográfica. A necessidade de construção de uma identidade baseada em uma sociedade e política democrática, principalmente depois de um periodo austero e violento, foi a tese adotada por jornalistas, músicos, políticos e autores.
Nasce aí o "Tancredismo", uma espécie de religião ou seita política que os cidadãos brasileiros adotam para o seu dia a dia, idolatrando-o e endeusando-o.
Meu papel aqui não é avaliar o legado de Tancredo Neves, ou seja, sua contribuição para o processo redemocratizante de meados da década de 1980, não é isso. Mas sim, o que quero é fazer uma reflexão da relação desse "Tancredismo" com a tentativa de uma elite política muito bem instaurada em Brasília nessa época em tentar apagar, ou esquecer o que foi a Ditadura Civil Militar.
A derrocada dos governos militares brasileiros a partir da década de 70, imendou com o processo anistiador e com as "Diretas Já", que para quem não tem conhecimento, foi uma campanha popular que contou com apoio de vários setores políticos e sociais defendendo a volta do voto direto.
O que se viu a partir da década de 1980, principalmente nos livros didáticos de História, é a representação de grandes personagens da nossa história como heróis nacionais, e são vários: Tiradentes, D. Pedro I, Caxias, Getúlio. Uma herança da historiografia do início do século XIX em que o ensino de história era baseado nos grandes feitos, nos grandes personagens.
Assisitindo o trailer do filme "Tancredo" tive essa percepção. O filme me passa uma tentativa de endeusamento de Tancredo Neves, e uma celebração de uma campanha redemocratizante tão "bem sucedida" que esquece de informar ou se preocupar com o que de fato aconteceu antes da mitificação desse personagem na História Brasileira: as atrocidades cometidas nos governos militares.
Não quero discutir a ementa Dante de Oliveira, e muito menos retaliar o passado político de Tancredo Neves para com a história de lutas desse país. Só acho que esse "Tancredismo", e outros "ismos" que assistimos e veremos ainda nesse país, surgem mais como elaboração de um projeto de celebração da vitória da "democracia" desse país, e com finalidade de esquecer ou apagar o que foi a Ditadura, do que de fato compreender a nossa história, a valorização da memória de muitos.
Como Foucalt mesmo diz, o homem ainda é um objeto de sujeição dos poderes, em detrimento da sua potencialidade reflexiva e crítica do todo.
Agora o que nos resta é aguardar o filme, para sim, ou apoiar essas idéias ou criticar esse posicionamento, que se necessário, eu mesmo farei.

Bem vindos a Verdadeira História Carioca.

Estava a muito tempo sem escrever alguma coisa nesse Blog. Já é a segunda tentativa de repaginação da estrutura e do modo como abordarei temas e reflexões sobre a História do nosso país, e da nossa cidade maravilhosa, Rio de Janeiro.

Mas agora tentarei algo diferente. Para dar mais movimentação aqui, chamarei colegas de profissão - no caso historiadores - para abordar os mais diferentes temas. E todos aqueles que se sentirem a vontade para escrever, poderão sem restrições de ideologia e de pensamento. Afinal a intenção é desenvolver um espaço crítico e de reflexão sobre a História e a historiografia.

Logo, declaro aberto e reinaugurado esse espaço de discussão e acima de tudo exposição. Parafraseando Oscar Wilde: "Qualquer um pode fazer história, mas só um grande homem pode escreve-la".

Atenciosamente.
João Gabriel Guerreiro